IGOR CAVALERA Fala Sobre o Satanismo no Metal Extremo Brasileiro: "Era Rebelião, Não Adoração"

Em entrevista sincera e provocativa, Igor Cavalera — ex-baterista do SEPULTURA — revela como a iconografia satânica no metal brasileiro dos anos 1980 era um grito político contra a dominação da Igreja e não uma veneração espiritual. Confira a visão crítica de um dos pilares do metal nacional.

5/1/20253 min read

A iconografia satânica no metal extremo sempre gerou controvérsia — mas, para Igor Cavalera, um dos fundadores do SEPULTURA e figura essencial na consolidação do metal brasileiro no cenário global, esse símbolo teve um significado muito mais político do que religioso.

Em uma entrevista recente ao podcast White Centipede Noise, gravado nos estúdios do WCN em Potsdam, Alemanha, Igor falou abertamente sobre os primórdios do metal extremo no Brasil e a escolha deliberada das bandas em adotar imagens e temáticas satânicas nos anos 1980 — incluindo SEPULTURA, SARCOFAGO, HOLOCAUSTO e VULCANO.

Não se tratava de adorar Satanás. Era sobre atacar a Igreja. Isso tem uma diferença enorme”, declarou Igor. “Para nós, era algo muito mais político. A Igreja controla tudo na América do Sul. Ela está envolvida com a política e, como todos sabem, é uma das instituições mais nefastas. Vieram com a colonização, estupraram a terra — foi isso que fizeram. Então, atacar a Igreja era um ato de rebelião.

Rebelião Cultural e Musical

A fala de Igor reflete uma crítica profunda ao papel histórico da Igreja Católica na colonização e dominação cultural da América Latina. Segundo ele, os músicos da cena underground brasileira perceberam a hipocrisia da instituição e canalizaram sua fúria através da música extrema. “Atacar o governo e atacar a Igreja era a mesma coisa, porque, para nós, eram entidades fundidas — o mesmo sistema opressor”, comentou.

Ele comparou essa atitude com o impacto do punk britânico nos anos 1970: “Quando os Sex Pistols atacavam a rainha, nós queríamos destruir a Igreja. Porque tudo estava conectado. Nunca fomos satanistas de verdade. Satanás, para nós, é também uma criação da Igreja. Aceitá-lo seria apenas inverter o dogma, mas continuar dentro dele.

Igor completou dizendo que se interessa por literatura ocultista e simbologia das trevas, mas jamais foi devoto do satanismo: “O bem e o mal, na minha visão, são criações humanas — o yin-yang do mesmo sistema.

A Estética do Caos

Musicalmente, a cena brasileira seguiu um caminho diferente do metal europeu. Enquanto bandas na Europa falavam sobre dragões e castelos, os brasileiros buscavam refletir sua realidade violenta e caótica. “O metal da Europa e dos EUA era muito polido. A gente queria algo mais sujo, mais extremo. A rebeldia também estava no som.

O resultado foi a criação de uma estética sonora agressiva, crua, barulhenta — um reflexo visceral do Brasil urbano e marginalizado dos anos 80. Essa identidade moldou gerações de bandas e influenciou movimentos posteriores do metal extremo mundial.

Além do SEPULTURA: Uma Vida de Exploração Sonora

Desde sua saída do SEPULTURA em 2006, Igor Cavalera embarcou em uma jornada artística multifacetada, fundando projetos ousados e experimentais. Junto ao irmão Max Cavalera, formou o CAVALERA CONSPIRACY e, mais recentemente, o projeto CAVALERA, resgatando a sonoridade primitiva dos álbuns clássicos da antiga banda.

Além do metal, Igor também mergulhou no universo da música eletrônica e do noise. Em 2006, criou o duo MIXHELL com sua esposa Laima Leyton, unindo baterias ao vivo com sintetizadores, DJs e performances audiovisuais em festivais como Glastonbury, Reading e Bestival.

Em 2013, mudou-se para Londres e passou a integrar a banda SOULWAX, com quem gravou o álbum "From Deewee" e participou da turnê "Transient Program For Drums And Machinery". Seu projeto mais experimental, PETBRICK, criado com Wayne Adams, funde noise, industrial e bateria orgânica de forma abrasiva e inovadora.

Recentemente, Igor lançou o álbum “Aural Manifestations” por selos como Damian Records e Deepthroat Records, e o provocador “Alucinações Sônicas” pela icônica Hospital Productions.

O Legado de Uma Rebelião Autêntica

A fala de Igor Cavalera ajuda a resgatar um aspecto muitas vezes esquecido da história do metal brasileiro: seu potencial como ferramenta de resistência e denúncia social. O uso da simbologia satânica, para além do choque, foi uma forma de quebrar estruturas, de enfrentar uma hegemonia religiosa opressiva que dominava (e ainda domina) a política e os valores da sociedade.

Hoje, com décadas de trajetória artística e explorando novas formas sonoras nos palcos experimentais da Europa, Igor continua sendo uma voz provocadora, fiel às raízes do espírito rebelde que definiu o metal extremo no Brasil.